A renegociação do contrato da cessão onerosa, referente à área do pré-sal cedida à Petrobras com reserva acima de 5 bilhões de barris, cria um impasse sobre quem vai arcar com essa conta. A expectativa do mercado é que a União e a companhia saiam perdendo.
A cessão onerosa é crucial para elevar os níveis de produção da petroleira e foi acordada em 2010, envolvendo um valor aproximado de US$ 43 bilhões.
Já a renegociação do contrato estava prevista para acontecer após o final da fase exploratória e declaração de comercialidade dos blocos. Caso os preços do petróleo recuassem, o governo compensaria a Petrobras. Se a cotação subisse, ocorreria o contrário. Mas a declaração de viabilidade comercial veio antes da queda de quase 50% dos preços da commodity, o que pode levar a empresa a um prejuízo considerável.
“Desde 2010, muita coisa mudou e é preciso chegar a um ponto de equilíbrio para que ambas as partes possam ganhar”, afirma a CEO da consultoria OGE, Cláudia Rabello.
No entanto, para o professor de direito tributário do Ibmec-RJ, Leonardo Pessoa, as duas partes devem ter algum prejuízo na renegociação do contrato. “Vai ser muito difícil formular uma solução em que empresa e União saiam ganhando. Está mais para um jogo em que todos perdem um pouco”, avalia o especialista.
Segundo Pessoa, o cenário de falta de caixa da Petrobras é o motivador para todo o problema. “A situação é muito complicada para o governo, pois apesar das contas públicas estarem no vermelho, a companhia também passa por um momento extremamente delicado.”
Na visão do especialista, o atual governo sinaliza que vai tomar decisões pensando também no lado da companhia. “Ao que tudo indica, a União deve amargar algum prejuízo para não prejudicar tanto a Petrobras”, explica Pessoa.
Questionamento
O Tribunal de Contas da União (TCU) chegou a questionar a renegociação do contrato, alegando que os critérios usados para calcular os preços do barril, em 2010, não ficaram devidamente esclarecidos.
“Nos últimos seis anos, o valor dos cinco bilhões de barris variou muito. Qual base será considerada nessa negociação?”, indaga Cláudia, que à época era superintendente da Agência Nacional do Petróleo e Gás Natural (ANP).
Na semana passada, a diretora executiva de exploração e produção da Petrobras, Solange Guedes, afirmou que ao longo do terceiro trimestre deste ano os relatórios referentes à cessão onerosa serão apresentados aos ministérios da Fazenda e de Minas e Energia, bem como à ANP. “Esse processo ainda não tem um prazo para ser concluído”, disse ela a jornalistas.
Conforme o TCU, a revisão do contrato deve ser fundamentada em laudos técnicos elaborados por entidades certificadoras independentes, a serem contratadas pela ANP e pela empresa. Isso ocorreu em 2014, mas de acordo com o TCU, houve divergências no resultados.
Caso não haja consenso sobre os preços na renegociação do contrato, Cláudia explica que a estatal poderia recorrer a uma câmara arbitral internacional para resolver o impasse. “Mas isso afetaria sensivelmente a segurança jurídica no País.”
Excedente
Não só a questão dos preços dificulta a renegociação do contrato da cessão onerosa, mas também a descoberta de um excedente significativo de petróleo. Estimativas mostram que o volume na região pode variar entre 10 bilhões até 15 bilhões de barris de óleo equivalente.
Em 2014, o governo da então presidente Dilma Rousseff havia decidido que a estatal iria explorar o excedente com o pagamento de um bônus, estimado à época em R$ 15 bilhões. Mas o TCU determinou que esta decisão só poderia ser tomada após a revisão do contrato de cessão onerosa como um todo, incluindo a questão dos preços.
Cláudia, da OGE, explica que o Conselho Nacional de Politica Energética (CNPE) deve decidir se a Petrobras explora o excedente, por meio de contratação direta e pagamento de bônus, ou se concede para outras empresas explorarem o petróleo.
“Se a estatal tiver que interromper as operações ao atingir 5 bilhões de barris na cessão onerosa, isso geraria um custo enorme para suas contas, já que toda a sua custosa estrutura teria que ser desmontada”, observa a especialista.
Por outro lado, ela acredita que a contratação direta da Petrobras poderia gerar um “mal estar” no mercado de petróleo e gás, uma vez que outros players poderiam explorar a área. “A análise é bem difícil de ser feita e o CNPE precisa tomar uma decisão bastante prudente.”
Como o custo de exploração do excedente da cessão onerosa também seria elevado, a Petrobras poderia ainda realizar parcerias. “Mas para tanto, as regras precisam ser muito claras”, pontua a especialista da OGE.
Cláudia acredita que a decisão por parte da União deve levar em conta a situação financeira da Petrobras. “O atual governo possui uma tendência mais liberal, que deixa o mercado se regular sozinho. Mas pensando pelo viés estratégico, talvez a contratação direta à estatal deve ser a modalidade escolhida para exploração do excedente da cessão onerosa.”
Em divulgação do Plano de Negócios de 2017 e 2021, semana passada, a Petrobras deixou clara a importância da cessão onerosa para atingir a meta de produção da companhia.
Na visão de Cláudia, a decisão mais acertada seria deixar a exploração de toda a área da cessão onerosa para a companhia. “O custo de abrir mão dessa região seria enorme, o que não é bom para o governo, muito menos para o caixa da companhia”, analisa a consultora.
O professor do Ibmec aponta, entretanto, para a capacidade da Petrobras de tocar o projeto. “Diante do seu problema de caixa, é bem possível que a companhia não consiga arcar com toda a operação sozinha.” (fonte: CDI-SP – repórter Juliana Estigarribia – 27.09.2016)